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A política sexual de julho a novembro de 2023

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Primeiras palavras

Esta edição do boletim SPW cobre os principais eventos da política sexual desde julho, ou seja, praticamente o segundo semestre de 2023. Como temos apontado em edições anteriores, especialmente desde a pandemia, a política sexual do século 21 está indelevelmente imbricada na deriva desdemocratizante e autoritária dos tempos do agora. Como se sabe, este drástico giro, em curso desde os meados dos anos 2010, tem efeitos deletérios sobre os direitos humanos num sentido amplo e, mais especialmente, sobre os direitos relacionados a gênero e sexualidade.

No segundo semestre de 2023, como será analisado nas páginas que se seguem, esse panorama se vê agravado em vários aspectos. Contudo, apesar do clima adverso, nesta edição também registramos algumas boas novas e falamos de resistências aos retrocessos.

Boa leitura!
Equipe SPW (Sonia Corrêa, Nana Soares, Fábio Grotz e Tatiane Amaral)

 

Novidades SPW

Eventos

Em setembro, por ocasião das celebrações do 28 de setembro, o debate “La realidad del aborto en América Latina, el Caribe y EEUU” reuniu Sonia Corrêa (SPW), Lilian Abracinskas (MYSU, Uruguai), Barbara Sutton (Universidade Albany-Suny) e Alondra Hernández (Aborto Libre, Porto Rico).

No dia 30 de setembro, em parceria com a Rede Novas Narrativas Evangélicas, o SPW organizou uma residência com educadoras/es e influenciadoras/es para debater o Pequeno Dicionário dos Termos Ambíguos do Debate Político Atual. Essa oficina inspirou a produção e a disseminação de conteúdos digitais que podem ser acessados aqui.

Em 30 de outubro, Sonia Corrêa (SPW) participou da mesa de debate “¿Cómo abordamos la ola reaccionaria contra los derechos sexuales y reproductivos?”, organizada pelo Intergrupo para os Direitos Sexuais e Reprodutivos do Parlamento Catalão.

Conteúdos relevantes

Nessa edição trazemos como novidades:

Feminismos Essencialistas: insumos para qualificar o enfrentamento: Um conjunto de materiais SPW em português para qualificar o enfrentamento aos feminismos essencialistas cuja presença e influência vêm se expandindo no mundo e também no Brasil. Entre os materiais, estão o triálogo “Convergências e fraturas em jogo na intersecção entre política antigênero, racismo e colonialidade“, ocorrido em debate no Rio de Janeiro, em abril de 2023;  a tradução para o português da introdução ao dossiê “Trans-Exclusionary Feminisms and the Global New Right” [Feminismos trans-excludentes e a nova direita global] e o informe da conversa latino-americana sobre a questão promovido pelo Foro de Debates Pendientes y Emergentes, em julho de 2022.

– Acesso livre à versão digital do livro La Reacción Patriarcal, editado por Marta Cabezas e Cristina Vega.  Agradecemos muito às editoras e à Bellaterra (Barcelona) pela oportunidade de difusão.

– Lançamento da edição atualizada do Pequeno Dicionário dos Termos Ambiguos do Debate Político Atual, que incorpora seis novos verbetes: “Globalismo”, “Linguagem Neutra”, “Identitarismo”, “Cidadão de Bem”,  “Liberdade” e “Família”.

– O artigo “Ofensivas contra a linguagem não-binária em cenário legislativo do Brasil“, de Iran Ferreira de Melo e Gustavo José Barbosa Paraíso, publicado com exclusividade no SPW, esmiúça os projetos de lei que visam proibir a linguagem neutra ou linguagem não-binária no Brasil.

A guerra como fato incontornável da política sexual

Nessa quadra do século 21, as tendências de desdemocratização e neo-autocratismos que temos analisado, desde a pandemia, se confundem com a multiplicação das guerras e outros conflitos armados. Segundo matéria de Jamil Chade, a ONU hoje contabiliza dois bilhões de pessoas vivendo em contextos bélicos. Isso representa um quarto da população mundial, mesmo sem considerar situações de violência estrutural permanente que estão relacionadas a conflitos fundiários e à guerra das drogas que desde muito estão em curso na América Latina.

Em novembro de 2023, a guerra da Ucrânia já podia ser lida como um conflito crônico, ao mesmo tempo em que o ataque do Hamas – que matou mais de mil civis israelenses e implicou a captura de 200 reféns – se desdobrava numa carnificina perpetrada pelo estado de Israel contra a população civil palestina, provocando no enclave o deslocamento de 1,5 milhão de habitantes e a morte de mais de 16 mil pessoas, das quais 60% são mulheres e crianças (números do início de dezembro). Segundo a ONU, 11 pessoas são mortas a cada hora no conflito.

A incapacidade da comunidade global para interromper esse ciclo genocida tem sido catastrófica. Em 15 de novembro, o Conselho de Segurança da ONU conseguiu, depois de impasses sequenciais, aprovar uma resolução que impõe uma pausa humanitária às hostilidades, mas Israel se recusou a obedecer. As primeiras negociações bem-sucedidas para a liberação de reféns só aconteceriam duas semanas mais tarde. Para Filippo Grandi, o Alto Comissário da ONU para Refugiados, o cenário global de guerras e conflitos — que tem sido insuflado por interesses armamentistas, autocratismos, racismo, xenofobia e discursos de ódio crescentes — tende a se agravar por efeito desse colapso diplomático.

Por outro lado, e muito positivamente, a reação contra a carnificina tem sido admirável. Nos EUA, os protestos liderados pela Jewish Voices for Peace contra o morticínio e clamando por cessar fogo ganharam escala sem precedentes — que tem sido, inclusive, equiparada ao que aconteceu durante a Guerra do Vietnã.  Para o contexto americano, recomendamos em particular um belo artigo de Zillah Eisenstein. Também em Israel vão se multiplicando os protestos contra a política da guerra conduzida por Netanyahu.

Essas condições seriam incontornáveis em qualquer exame da política sexual. Mas, no caso da guerra em Gaza, há correlações mais flagrantes e repugnantes a mencionar. Quando essa edição estava sendo finalizada, circulou nas redes sociais brasileiras a foto de um jovem militar israelense frente a um tanque estacionado no território devastado de Gaza. Ele abria uma bandeira do arco-íris em que se lia “Em nome do Amor”. Essa imagem foi replicada sem crítica ou qualificação por portais LGBTTQIA+, assim como pela Agência de Notícias de AIDS. Em resposta, criou-se uma campanha online para repudiar essa deplorável estratégia de pinkwashing, cujo lema, inspirado no Jewish Voices for Peace, também é que atrocidades não podem ser perpetradas Em Nosso Nome!.

Desdemocratização e ultradireitização persistentes

Fechamos esta edição no dia seguinte à eleição de Javier Milei como novo presidente da Argentina. Esse desastre eleitoral, embora estivesse anunciado desde as eleições primárias de agosto, causou surpresa em alguns quadrantes. Frente a um cenário que se anuncia trágico e muito difícil de prever, oferecemos uma seleção de análises (pré-eleição e pós-eleição) do que aconteceu na Argentina que tenta cobrir o período entre agosto e o final de novembro, a qual, contudo, corresponde a uma pequena parcela da vasta produção intelectual e jornalística que busca “explicar Milei” e os efeitos de sua eleição. Numa seleção compacta, sugerimos o podcast dirigido por Juan Elman sobre a ascensão política de Milei, o artigo de Fernando Barros Silva que saiu um pouco antes do desfecho eleitoral, a análise desse resultado por Pablo Stefanoni, publicado por Nueva Sociedad, no dia 20/11, e uma matéria da Agencia Pública que investiga as conexões de Milei com a ultradireita brasileira e os potenciais efeitos de sua eleição no Uruguai.

Mas é importante observar que antes da Argentina, Equador e Guatemala tiveram eleições turbulentas. No primeiro caso, a eleição foi antecipada quando o presidente Lasso ativou o recurso à morte cruzada e o país foi palco de uma brutal violência política. No primeiro turno, o candidato Fernando Villavicencio foi assassinado após um ato de campanha. Dois meses mais tarde, os sicários colombianos acusados do crime seriam executados nas prisões em que estavam detidos.

Essa violência, inédita no país, está associada à gradual conversão do Equador em plataforma de transbordo da cocaína produzida no Peru e na Colômbia, hoje em grande medida controlada por cartéis mexicanos. A campanha se desenrolou sob grande tensão, e o empresário bananeiro ultraneoliberal Daniel Noboa derrotou Luiza Gonzáles, a candidata do Correísmo. Como analisa Pablo Ospina, seu mandato de menos de dois anos se anuncia como tumultuado. Compilamos outras análises a respeito do resultado e seus efeitos.

Também em agosto, na Guatemala, o governo Giammattei — que havia se transformado num bastião regional de ultraconservadorismo — perdeu as eleições. Bernardo Arévalo, posicionado à centro-esquerda, foi eleito presidente, a contrapelo do que diziam as pesquisas de opinião. Desde então, o Judiciário e o Congresso, controlados pelas elites derrotadas e nomeadas como sendo o Pacto dos Corruptos, tentam, por todos os modos, obstaculizar sua posse. A cidadania, contudo, tem reagido com vigor e, como informa o artigo de Manuela Picq, a população indígena que tomou as estradas do país e a capital está no cerne dessa resistência.

Na África, o recrudescimento autocrático segue seu curso. Desde julho dois novos golpes ocorreram, no Níger e no Gabão. No primeiro caso, a sublevação está marcada por uma flagrante influência russa. No Gabão, vale dizer que o golpe destronou o filho do longevo ditador Omar Bongo, que havia sido eleito presidente em 2016 – compilamos análises. Esses eventos elevam para oito o número de golpes militares na África subsaariana desde 2020.

Da mesma forma, na Europa, o ciclo de ganhos políticos da ultradireita tampouco perdeu fôlego. O Partido do Povo Suíço, 30 anos atrás considerado uma formação extremista marginal, ganhou as eleições legislativas de outubro com uma margem folgada de votos. Sobretudo, em novembro, na Holanda, o Partido da Liberdade de Geert Wilders, cujos ganhos eleitorais já haviam se ampliado em 2017, saiu-se vencedor, levando 35 das 150 cadeiras do Parlamento. Embora a formação de um governo de coalizão não esteja assegurada, esse resultado tem sido analisado como sintoma forte de normalização da ultradireita na Europa continental.

E, quando terminávamos esse balanço na primeira semana de dezembro, matéria de capa do Washington Post repercutiu o prognóstico feito pela deputada republicana Liz Cheney de que uma vitória de Trump em 2024 vai levar à instalação de um regime fascista nos EUA. Essa não é uma linguagem habitualmente utilizada pelos conservadores e pela grande imprensa norte-americana.

Num cenário tão sombrio, é crucial sublinhar as boas novas, mesmo se escassas. Surpreendentemente, o Partido Lei e Justiça, motor da erosão democrática polonesa desde os anos 2000, amargou dura derrota nas eleições legislativas. A oposição conseguiu maioria de assentos no Parlamento para a formação de um novo governo, visto como uma oportunidade de frear a escalada autoritária no país e na Europa. O resultado foi comemorado em muitos quadrantes.

Não menos importante, passados quatro meses das eleições antecipadas de julho, na Espanha, o PSOE e Junts negociaram um acordo para a formação de um novo governo. Pedro Sanchez, no seu discurso de posse, enfrentou com vigor a extrema-direita. O Vox, por sua vez, tem reagido ao acordo com uma virulenta campanha contra o primeiro ministro e a anistia aos independentistas catalães que garantiu o acordo de governabilidade.

E uma notícia excepcional nos chegou da Nicarágua, onde o arbítrio da tirania Ortega-Murillo continua se aprofundando. Desde julho, o país pediu desligamento da OEA e desterrou 12 padres que estavam presos por razões políticas. Mas, no dia 19 de novembro, a população tomou as ruas com bandeiras e cantando o hino nacional para celebrar a escolha de Sheynnis Palácios, uma jovem que havia participado dos protestos de 2018, como Miss Universo. Daniela Arcanjo, em matéria da Folha, analisa como esse protesto espontâneo impactou tanto o regime nicaraguense, quanto o vizinho El Salvador – que sediou o concurso como parte da estratégia de Nayib Bukele para firmar sua imagem de ditador-cool.

Políticas Antigênero

Contra o pano de fundo delineado na seção anterior, as políticas antigênero seguem seu curso com vigor inalterado.

Na “Rússia guerreira” de Putin, como se sabe, a fantasmagoria antigênero tem sido acionada, com frequência, desde a invasão da Ucrânia, para fins geopolíticos. Essa tendência se agravou desde julho, quando foi aprovada a lei que aboliu os direitos das pessoas trans. Numa conferência, que aconteceu em agosto, autoridades de Defesa e Segurança recorreram à retórica antigênero para denunciar o que denominam como “diferentes tipos de perversão” promovidos pelo Ocidente. No final de novembro, a Suprema Corte baniu o movimento LGBTQIA+ definindo-o como terrorista e, dois dias mais tarde, bares, saunas e clubes foram invadidos pela polícia em Moscou.

Na Itália, uma medida do Ministério Público contestou judicialmente a legitimidade do registro de responsáveis do mesmo sexo nas certidões de nascimento. Esse é um desdobramento da decisão do Ministério do Interior que, no início do ano, proibiu o reconhecimento oficial de genitores do mesmo sexo pelos governos locais. Os casos de destituição de parentalidade têm se multiplicado sobretudo na região do Vêneto, no norte do país, desde muito dominada pela Liga Norte, o outro partido de ultradireita que compõe o governo de Georgia Meloni.

No Reino Unido as ofensivas antigênero tampouco perderam fôlego. Na conferência anual do Partido Conservador, o primeiro-ministro Rishi Sunak reiterou sua posição de que “mulher é mulher e homem é homem” e defendeu medidas para garantir que temáticas sobre gênero debatidas nas escolas sejam aprovadas pelo genitores. Na Escócia, uma grande conferência das feministas “críticas do gênero” contou, inclusive, com a participação da Relatora Especial da ONU para Violência Contra Mulheres e Meninas.

Com relação e esse cenário, é importante mencionar que a vice-primeira-ministra da Bélgica, Petra De Sutter, uma mulher trans, rebateu com vigor as políticas adotadas no Reino Unido. Essa é a primeira vez que uma autoridade estatal europeia critica abertamente as posições hoje assumidas pelo governo britânico em relação aos direitos das pessoas trans. A reação belga, porém, deve ser situada em relação ao contexto nacional onde, pela primeira vez, ofensivas antigênero robustas ganharam corpo. Um programa de educação sexual para adolescentes e pré-adolescentes, adotado em setembro, tornou-se alvo de ataques e levou as forças ultraconservadoras às ruas e às redes sociais numa coalizão que surpreendeu muitos analistas.

Na Espanha, a Comunidade autônoma de Madrid, governada por Isabel Ayuso (PP), apresentou ao Parlamento uma lei que altera radicalmente a legislação vigente sobre o direito à identidade de gênero, propondo inclusive a abolição do direito à auto-determinação. O PP tem votos suficientes para aprovar a lei e, muito embora a Lei Nacional aprovada no início do ano tenha primazia legal, os governos autônomos têm poder para restringir políticas públicas.

No Canadá, a ação das forças antigênero também ganhou contornos inéditos. Em setembro, uma série de protestos coordenados ocorreu em mais de 80 cidades do país, mobilizando diatribes contrárias a políticas educativas de inclusão e narrativas conspiracionistas contra “crianças trans”. A PressProgress detalhou os idealizadores e os propósitos da mobilização. Essa ofensiva antitrans dos conservadores tem sido analisada como uma transformação notável no clima político e na agenda democrática do gênero no  país.

E os EUA continuam sendo um dos epicentros globais das ofensivas antigênero, como mostra o monitoramento de projetos de lei antitrans coordenado pela ACLU. Até o final de outubro, quase 600 propostas foram apresentadas nas legislaturas estaduais com o objetivo de obliterar direitos das pessoas trans. Vale dizer, porém, que em vários estados essa ofensiva legislativa não carreou votos para candidatos ultraconservadores nas eleições de meio termo (novembro). O portal Mother Jones analisou vários casos em que o recurso perverso à pauta antitrans não se traduziu em vitória eleitoral, como por exemplo no Kentucky, Pennsylvania, Virginia e Ohio.

No Brasil, apesar da derrota eleitoral de Bolsonaro, a política antigênero continua conturbada. Em setembro, uma resolução do Conselho Nacional das Pessoas LGBTQIA+ sobre educação tornou-se alvo de ataques. Dois parlamentares bolsonaristas, sendo um deles Nikolas Ferreira, espalharam nas redes sociais que o governo Lula iria impor a instalação de banheiros unissex no sistema público de educação. O Ministério dos Direitos Humanos reagiu, acionando o Ministério Público contra essa difamação. Em Belo Horizonte, capital do estado que elegeu Nikolas, a Câmara Municipal promulgou lei proibindo o uso de linguagem neutra nas escolas públicas e particulares da cidade. Essa iniciativa legislativa derrogou o veto do prefeito a uma lei anteriormente aprovada e seus efeitos já estão sendo sentidos na rede municipal de educação. Para um detalhamento dos atuais projetos de lei visando proibir a linguagem neutra em território nacional, recomendamos uma vez mais o artigo de Iran Ferreira de Melo e Gustavo José Barbosa Paraíso publicado, com exclusividade, em nosso site.

Ofensivas antigênero nos esportes

Há novos retrocessos a registrar no que diz respeito à participação de pessoas trans em competições de elite. No Reino Unido, mulheres trans foram proibidas de participar de torneios femininos de remo, regra que se aplica a todas as atletas que representam o país em eventos internacionais. O mesmo aconteceu no caso do cricket: o Conselho Internacional da modalidade interditou, em novembro, que mulheres trans que tenham passado por “puberdade masculina” possam participar de competições internacionais. O caso mais emblemático e absurdo, contudo, é a nova regra adotada pela Federação Internacional de Xadrez que baniu, em agosto, mulheres trans de torneios femininos, pois essa decisão significa o renascimento das absurdas teses novecentistas, segundo as quais os homens seriam, naturalmente, mais inteligentes do que as mulheres  Para saber mais sobre esses embates, que estão em conflito com as normas brasileiras, recomendamos o artigo de Lucas Dias.

Velhos e novos palcos da política antigênero

Entre julho e novembro de 2023, ocorreram três eventos transnacionais que devem ser lidos como sinais robustos da sedimentação e, mais especialmente, normalização das pautas antigênero.

Em julho, teve lugar em Kigali, Ruanda, e pela primeira vez na África, a Conferência Women Deliver, evento que desde 2007 reúne ativistas do mundo inteiro para discutir direitos das mulheres e saúde e direitos reprodutivos. A conferência, que reuniu mais de 6.000 pessoas, foi, lamentavelmente, um desses palcos. Sua plenária de abertura contou com a participação de Katalin Novák, presidente da Hungria, uma das lideranças mais importantes das pautas antigênero e antiaborto na Europa. Sua presença não havia sido antecipadamente anunciada, mas Novak usou habilmente essa oportunidade de abrir uma “conferência feminista” para difundir amplamente suas posições. Sua presença no evento, vale dizer, compõe uma agenda geopolítica mais ambiciosa que o regime de Orbán está implementando na África e que inclui, entre outras iniciativas, uma missão militar no Chad. Recomendamos a leitura do artigo de Françoise Girard sobre o significado e efeito da presença de Novak, mas também do presidente do Senegal, Sall Macky, criticada por feministas africanas.

O segundo evento a mencionar aconteceu na Hungria, onde ocorreu a terceira edição do Fórum Demográfico de Budapeste. Os temas temas foram, como sempre, a defesa da família e dos valores tradicionais como solução para o chamado “inverno demográfico europeu”. É importante mencionar que, no evento de 2023, participaram dois conferencistas africanos, uma mulher e um homem, e de quatro palestrantes muçulmanas (ver aqui).

Finalmente, em 16 e 17 de novembro, aconteceu, na sede das Nações Unidas em Nova York (com transmissão pela WebTV da ONU), o V Summit Transatlântico, organizado pela Political Network for Values (PNfV). O evento bienal, realizado desde 2014, reuniu políticos de extrema-direita e grupos extremistas da sociedade civil da América Latina, EUA, África e Europa, especialmente da Hungria, para comemorar os 75 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH). O espaço na ONU foi assegurado por uma demanda da Guatemala. Mais de 35 oradores se dedicaram a “resgatar o significado original” da DUDH para lutar contra o que denominam “falsos direitos” ou “direitos não universais”, ou seja, direitos sexuais e reprodutivos, direitos à saúde e educação sexual de crianças e adolescentes e direitos LGBTQIA+, especialmente os direitos das pessoas trans. 

Entre os painelistas da edição desse ano estavam Angela Gandra, ex-secretária nacional da Família do governo Bolsonaro, e o deputado Nikolas Ferreira. A  presença de Gandra dá continuidade às relações de longo prazo que ela tem com a PNfV, pois é membro de seu conselho. Já o convite a Nikolas sinaliza para a prioridade que a PNfV dá à formação de jovens lideranças. O deputado falou “em nome da juventude” no painel O Comprometimento da NY75 com os Direitos Humanos Universais, que contou com outras vozes jovens treinadas pela rede para “defender a vida, a família e a liberdade”. Recomendamos o artigo de Andrea Dip sobre o Summit, publicado pela Open Democracy, e mais especialmente o sumário executivo de um relatório da Ipas – Empower sobre a história da PNfV e os objetivos do evento: The Political Network for Values: Global Far-Right at the United Nations.

Arenas da ONU 

No âmbito dos fóruns e arenas internacionais, há algumas boas notícias a reportar. Destacamos a eleição do Brasil para o Conselho de Direitos Humanos da ONU que aconteceu no início de outubro, fato analisado por Jamil Chade e pelo boletim da Conectas. Nessa oportunidade, o Brasil também anunciou sua adesão à Equal Rights Coalition, uma aliança de estados membros da ONU comprometidos com o fim da discriminação e violência contra pessoas LGBTQIA+. Também cabe mencionar que tanto o Comitê de Direitos Humanos quanto o Comitê de Direitos Econômicos e Sociais questionaram a legislação de aborto no Brasil e recomendaram sua reforma para assegurar a proteção dos direitos humanos de mulheres e meninas.

No âmbito do Alto Comissariado para os Direitos Humanos, Graeme Reid, que até recentemente dirigia a unidade LGBTTQIA+ da Human Rights Watch, foi eleito como Especialista Independente para Direitos Humanos, Orientação Sexual e Identidade de Gênero, em substituição a Victor Madrigal. Saudamos sua eleição e agradecemos a Victor pelo trabalho realizado desde 2018.

Contudo, no panorama da ONU, há fatos novos e inquietantes a registrar, especialmente no que diz respeito à Relatora Especial para Violência contra Mulheres e Meninas, Reem Alsalem. Sua atuação, como já mencionado no boletim anterior, tem sido criticada por redes feministas e LGBTQIA+ por suas posições quanto aos direitos das pessoas trans. Uma missão do seu mandato prevista para o Brasil, em agosto, foi adiada pelo governo para o segundo semestre de 2024. Essa decisão provocou reações da própria relatora, inclusive uma entrevista ao portal Gazeta do Povo, conhecido veículo da ultradireita brasileira. O adiamento também foi criticado por redes e coletivos feministas nacionais alinhados com suas posições. Em resposta a essas críticas, em outubro, o Conselho Nacional LGBTQIA+ criticou em nota pública as posições de Alsalem, identificando as contradições entre elas e normas jurídicas e políticas públicas brasileiras relativas ao direito à identidade de gênero. A nota repercutiu na imprensa e foi objeto de artigo de Céu Cavalcanti no Portal Terra.

Por fim, quando este boletim estava sendo finalizado, recebemos a boa notícia de que o Grupo de Trabalho sobre a Discriminação contra Mulheres e Meninas da ONU publicou relatório cobrando a descriminalização do trabalho sexual.

Direitos LGBTQIA+

Como em edições anteriores, notícias muito negativas vêm da África Subsaariana. Em julho, o Parlamento de Gana finalmente aprovou por unanimidade uma lei que criminaliza tanto os indivíduos identificados como LGBTQIA+ quanto a promoção e a defesa de seus direitos. Em seguida, a Suprema Corte rejeitou ação que contestava a lei. Em razão da relevância de Gana, esses retrocessos podem influenciar de maneira muito negativa o cenário regional, que já é muito sombrio.

Em Uganda, quatro homens foram detidos por supostamente praticarem relações com pessoas do mesmo sexo. Esse já é um efeito da legislação draconiana que prevê pena de morte e prisão perpétua para condutas homossexuais promulgada em maio deste ano. Na Nigéria, dois episódios de intervenção policial também foram noticiados. Em agosto, a polícia do estado do Delta prendeu dezenas de pessoas que participavam de evento tipificado como um casamento gay. A ação foi transmitida ao vivo. Em outubro, no estado do Gombe, forças de segurança detiveram 76 pessoas reunidas numa festa. Reportagem da ABC analisou a tendência de detenções massivas.

No Iraque, começou, em agosto, a tramitação de projeto de lei que define como ofensas criminais as relações entre pessoas do mesmo sexo e a mera expressão de identidade de gênero. Estão previstas punições radicais como a prisão perpétua. A Human Rights Watch manifestou-se sobre o projeto.

No Líbano, o clima também está se deteriorando com relação aos direitos LGBTQIA+. Em agosto, foram apresentados dois projetos de lei que criminalizam a relação sexual entre pessoas do mesmo sexo e a “promoção da homossexualidade”. Em agosto, a Reuters noticiou que um show de drag queens que acontecia em Beirute foi invadido por uma turba de religiosos conservadores. Esses eventos ocorreram semanas depois de o líder do grupo islâmico radical Hezbollah proferir insultos homofóbicos em seus discursos.

No Quirguistão, entrou em vigor lei inspirada na legislação russa dos anos 2010, que proíbe a “disseminação de informações sobre pessoas e direitos LGBT para menores”. E, mesmo na Austrália, a atmosfera social tem se degradado para pessoas trans. O relatório do Trans Justice Project mostrou em números a escalada da oposição aos direitos trans no país: uma em cada duas pessoas trans foi alvo de alguma manifestação de ódio.

Voltando os olhos para o Caribe e a América Latina, na Jamaica, a Suprema Corte negou a derrogação da lei de sodomia, que remonta à era colonial. O litígio derrotado vinha sendo construído, com muita dificuldade, desde os anos 2000 (saiba mais detalhes da decisão aqui). E no Brasil, por efeito, a fúria da ultradireita está ameaçando o direito ao casamento igualitário outorgado pelo STF em 2011. Um projeto de lei para derrogar a decisão de 2011 foi aprovado pela Comissão de Previdência, Assistência Social, Infância, Adolescência e Família, da Câmara Federal, provocando críticas e protestos em todos os quadrantes. Compilamos análises sobre o caso. E, quando esta edição estava sendo finalizada, circulou a notícia de que o governo retrocedeu com relação ao novo modelo do documento nacional de identidade – que, tal como anunciado em maio, eliminava a discrepância entre sexo do registro de nascimento e nome social.

Boas notícias

No início de outubro, as Ilhas Maurício descriminalizaram a sodomia, após decisão da Suprema Corte considerar inconstitucional e discriminatória previsão do Código Penal que proibia relação consensual entre pessoas do mesmo sexo.

No Japão, a Suprema Corte julgou inconstitucional lei que obrigava pessoas trans a se submeterem à cirurgia de esterilização para a mudança legal do gênero. E, em Hong Kong, no final de outubro, uma decisão judicial assegurou o reconhecimento do direito à herança para casais do mesmo sexo. No mês anterior, um casal de lésbicas conseguiu, também via decisão judicial, o reconhecimento parental de ambas sobre o filho concebido e nascido por fertilização in vitro recíproca.

Na Alemanha, no final de agosto, o governo aprovou a Lei de Autodeterminação de Gênero, que simplifica a mudança civil de sexo e gênero.

E, mesmo no Brasil, apesar de muito sinais ruins, há boas notícias a compartilhar. No Congresso, foi criada a Frente Parlamentar em Defesa da Cidadania e dos Direitos da Comunidade LGBTQIA+. O STF emitiu uma decisão que possibilita equiparar ofensas verbais transfóbicas como injúrias raciais. E o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) incluiu, pela primeira vez, perguntas sobre identidade de gênero e orientação sexual na Pesquisa Nacional de Demografia e Saúde (PNDS). O Ministério Público Federal traduziu os Princípios de Yogyakarta +10 para o Português. Além disso, em agosto, a Escola Superior do Ministério Público da União realizou um curso sobre a genealogia desses marcos normativos e sua potencial aplicação no Brasil. Os conteúdos e debates do seminário estão acessíveis aqui e aqui.

Gênero e Feminismos

O caso de maior repercussão global no segundo semestre de 2023 foi o escândalo do beijo não consentido do ex-presidente da Real Federação Espanhola de Futebol, Luis Rubiales, na jogadora Jenni Hermoso, durante a entrega da taça de campeã para a seleção feminina na Copa do Mundo. Suspenso do futebol por três anos, Rubiales manteve-se no cargo por um tempo não desprezível mesmo com a pressão global depois do ato cometido ao vivo. Compilamos notícias e análises do caso, destacando especialmente a defesa que a extrema-direita espanhola fez de Rubiales.

Além disso, notícias trágicas nos chegaram do Afeganistão e do Irã. No primeiro caso, o número de suicídios entre mulheres disparou depois que os Talibãs retomaram o controle do país em 2021: a cada dia uma mulher tira a própria vida. O Guardian fez reportagem com relatos de afegãos e profissionais de saúde no país. Já no Irã, o Parlamento aprovou em setembro lei que endurece as penas (multa e encarceramento) para mulheres que não usam o chador (véu islâmico). Um mês depois, uma adolescente morreu após ser detida pela polícia por não usar o véu.

No Brasil, em agosto, a tese de legítima defesa da honra, ainda usada como argumento de defesa para acusados de feminicídio, foi finalmente declarada inconstitucional pelo STF. E, no Exame Nacional do Ensino Médio, realizado em novembro, o tema da redação foi a invisibilidade do trabalho de cuidado, pautando um tema que ganhou destaque com a pandemia. A Folha de São Paulo abordou, na newsletter “Todas”, o tema do trabalho invisível das mulheres.

EFLAC 15

Entre os dias 22 e 25 de novembro, ocorreu em El Salvador o 15º Encontro Feminista Latino-Americano e Caribenho (EFLAC). Mais de 1.600 pessoas participaram do Encontro com um perfil muito plural: negras, indígenas, portadoras de deficiência, jovens e “mayoras”, como se diz em espanhol, e um grande número de pessoas trans e não binárias. Doze temas substantivos foram debatidos em amplas assembleias: Retrocesso democráticos e fundamentalismos; Transformando modelos econômicos hegemônicos; Proteção integral feminista; Aborto livre e legal; Gêneros e Sexualidades Diversas e Emancipatórias; Corpo-Terra- Territórios resistindo e avançando; Violências de Gênero: vivas, livres e diversas nos queremos; Cidades feministas resistentes e resilientes; Feminismos decoloniais, antirracismo e interseccionalidade; Diversidades, dissonâncias e debates feministas; Potência e Autonomia Feminista, chaves para emancipação; Arte e Cultura como âmbito de transformação.

A declaração final mirou a autonomia e a soberania sobre corpos e territórios e marcou o lançamento de uma rede regional para cobrar dos Estados prevenção, combate e erradicação da violência contra as mulheres. Na plenária final feministas reunidas expressaram solidariedade às mulheres nicaraguenses que resistem à tirania do regime Ortega-Murillo e repudiaram o genocídio em Gaza. El País fez um ótimo balanço do Encontro (em espanhol).

Aborto e Direitos Reprodutivos

Brasil

A melhor notícia do período no que diz respeito ao direito ao aborto foi o início do julgamento da Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 442 no STF. A ação, apresentada em 2017, pede a descriminalização do aborto até a 12ª semana de gestação. O voto favorável da ministra relatora Rosa Weber – apresentado como último ato da magistrada antes da aposentadoria – reativou o debate jurídico e político sobre a questão.

O julgamento foi, contudo, suspenso pelo presidente da Corte, ministro Luís Roberto Barroso, com bases em argumentos regimentais. É muito importante enfatizar, porém, que globalmente o caso teve uma expressiva repercussão, com veículos de diferentes continentes fazendo paralelo com a onda verde que há algum tempo cobre a América Latina no tema. Produzimos extensa compilação sobre a ADPF.

O voto da Ministra Rosa Weber foi depositado na véspera do 28 de setembro – Dia Latino-Americano e Caribenho de Luta pela Descriminalização do Aborto -, data cuja história foi objeto de um artigo de Nana Soares que também mapeia ganhos e desafios da luta pelo direito ao aborto na América Latina.

Outra boa notícia vem dos resultados de pesquisas de opinião relativos à prisão de mulheres que abortam, analisados num exercício de meta-análise desenvolvido a partir de uma parceria entre o Cfemea, o SPW e o CESOP-Unicamp. Os resultados mostram que, entre 2019 e 2023, cresceu o número de pessoas que se opõem à prisão de mulheres por aborto. Na média, esse repúdio foi sempre maior do que 50%, considerando-se variáveis de idade, escolaridade, raça/etnia e também religião. A Revista Piauí analisou os dados em detalhe na seção “=Igualdades”.

Contudo, também há más notícias, pois, como sabemos, as forças contrárias ao direito ao aborto não arrefecem. Em agosto, provocaram o cancelamento de um debate sobre interrupção da gravidez por meio da telemedicina na Defensoria Pública da União. E, desde que Rosa Weber depositou seu voto favorável à tese da ADPF 442, proposições regressivas aparecem no Legislativo. Entre elas, mais uma PEC (49/2023) propondo a alteração da Constituição para ampliar o direito à vida desde a concepção. O texto integra um conjunto de 35 propostas restritivas ao direito ao aborto apresentadas no Senado e na Câmara desde o início deste ano.

Além disso, no primeiro semestre, Lula indicou seu advogado pessoal, Cristiano Zanin, como ministro do STF. Em suas primeiras decisões, Zanin se revelou muito conservador em matérias relativas à lei penal, à desigualdade social e aos direitos LGBTQIA+, votando, inclusive, contra a equiparação da homofobia à injúria racial. No final de novembro, Lula nomeou Paulo Gonet e Flávio Dino, atual ministro da Justiça, para a Procuradoria Geral da República (PGR) e o STF, respectivamente. Nomeações que têm suscitado novas inquietações.

Segundo a Folha de São Paulo e O Globo, Gonet é católico praticante, defende a premissa de direito à vida desde concepção e sua nomeação tem sido amplamente aplaudida por atores e atrizes da ultradireita. Como diretor da Escola Superior do Ministério Público da União, durante a gestão de Augusto Aras, abriu nela espaço para cursos que contestavam o direito à identidade de gênero na infância e adolescência. A nomeação de Flávio Dino tem sido  criticada por estar a contrapelo de uma ampla e intensa campanha pela nomeação de uma jurista negra para a Corte (aqui e aqui). Dino já manifestou, no passado, oposição a mudanças na lei do aborto. Sua posição quanto aos direitos LGBTQIA+ não é tão nítida. Em linhas gerais, não é claro como irá se posicionar quanto a demandas desse teor que já estão tramitando ou chegarão no STF.

Américas

Mas quando o radar se volta para o continente, há muitas outras boas notícias. No México, a Suprema Corte declarou inconstitucional o trecho do Código Penal que criminalizava o aborto em nível federal. A decisão ocorreu uma semana depois que o mesmo tribunal julgara sem efeito os artigos do Código Penal do Estado de Aguascalientes que penalizavam o aborto, instando o Congresso local a modificar o texto. Essa decisão complementa e amplia a decisão de 2021 que recomendava aos judiciários locais a suspensão de todos os casos criminais por aborto que estavam sendo processados nos estados.

No caso do Peru, o Comitê dos Direitos da Criança da ONU reconheceu que a menina indígena Camila (pseudônimo) teve seus direitos à vida e à saúde violados. Grávida por estupro pelo pai, foi forçada pelas autoridades médicas e policiais a realizar o pré-natal, teve negada o direito à interrupção da gestação e, quando sofreu aborto espontâneo, foi processada por autoaborto. Essa decisão abre espaço para ampliar o acesso ao aborto no país.

E mesmo nos EUA registram-se tendências positivas. Em Ohio, os eleitores aprovaram a inclusão do direito a “tomar e executar as próprias decisões reprodutivas” na Constituição do estado – a regulamentação da maconha também foi endossada nas urnas. Essa não foi a única vitória na defesa e na promoção dos direitos reprodutivos. No Kentucky, o governador foi reeleito depois de campanha em que incluiu o direito ao aborto em sua plataforma. E, em mais uma prova de que o tema tem angariado apoios e mobilizado resistência frente à ofensiva ultraconservadora, os Republicanos perderam a maioria das casas legislativas na Virgínia para os Democratas. Esse resultado é uma clara resposta à posição do governador do Estado, ferrenho opositor do direito. O Globo analisou a centralidade da pauta na disputa eleitoral, enumerando os casos em que o tema foi determinante no resultado.

Em contraste, na Rússia, Putin – em aliança com a Igreja Ortodoxa – também tem se movido no sentido de restringir o direito ao aborto estabelecido desde 1955. Notícias descrevem um cerco crescente ao direito ao aborto. Em outubro, o Ministério da Saúde determinou que, a partir de setembro do próximo ano, o misoprostol e a mifepristona só estarão disponíveis à venda com prescrição médica. A regra vale até 2030. E, para corroborar as conexões entre autoritarismo, belicismo e repressão aos direitos reprodutivos das mulheres, o próprio Putin, no final de novembro, exortou que as russas deem à luz a mais de “sete, oito filhos” para interromper a queda demográfica do país, que se acelerou de modo expressivo desde o início da Guerra contra a Ucrânia.

Despedidas

No segundo semestre, tivemos muitas perdas.

O dramaturgo, diretor e ator Zé Celso partiu em julho, vítima de incêndio no apartamento onde morava. A partida de Zé Celso, um ícone do teatro e das lutas pela liberdade na arte e na vida, foi lamentada em muito quadrantes. Artigos publicados na Folha, na BBC  e na Piauí resgatam os muitos ângulos de sua excepcionalmente criativa trajetória de vida.

Em outubro, o feminismo brasileiro perdeu a ativista Nalu Faria — cujo percurso foi resgatado numa bonita homenagem feita pela Abong. Também partiu a socióloga Neuma Aguiar, cuja contribuição para os estudos feministas no Brasil foi inequívoca. Sua memória foi lembrada pela Dawn e pela Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais (Anpocs). Finalmente, o campo de estudos e ativismo em gênero e sexualidade e religião perdeu a muito querida Cris Serra.

Sexualidade & Arte

Destacamos a presença de Rosa Gauditano e a Sauna Lésbica na 35ª Bienal de São Paulo. O trabalho foi destacado também em vários veículos especializados (como o Culturize-se e o Nonada). Essas intervenções devem ser situadas no enquadramento mais amplo da Bienal da Diversidade, tal como definida por uma resenha da Folha de S. Paulo. Segundo essa análise, as criações exibidas na mostra “conduzem por histórias queer sem monopolizar o percurso, mas ampliando a discussão para outras interpretações envolvendo sexualidade e gênero”. É importante referir que, em bienais anteriores, os nichos, desejos e afetividades lésbicas nunca tiveram tanto espaço.

Recomendamos

Artigos acadêmicos e de imprensa

Desdemocratização

Tamir Sorek, sociólogo israelí: “La pretensión de tener una democracia acabará tras la ofensiva en Gaza” – El Diario

O genocídio palestino e as palavras que matam – Berenice Bento – Racismo Ambiental

Entrevista a Marta Lagos: ¿qué piensa América Latina? – Cenital

Javier Milei, o candidato libertário dos argentinos revoltados – openDemocracy

Colombia: Elecciones legislativas y presidenciales 2022 – Revista Uniandes

Gênero

Nancy Fraser: a Crise do Cuidado vista a fundo – Outras Palavras

O esgotamento das mulheres pelo trabalho de cuidado – Outras Palavras 

Instituto Odara lança observatório com levantamento inédito sobre justiça reprodutiva no Nordeste – Revista Afirmativa

‘Es ahora’: La lucha para despenalizar el aborto en Brasil – Andrea Dip – openDemocracy

Grupo ligado a igrejas engana mulheres que buscam informação sobre aborto – AzMina

Apenas quatro hospitais interrompem gestações acima de 20 semanas no Brasil – Catarinas

Livro da Cepe imortaliza o ator e ativista Pernalonga – Cultura Pernambuco

Multimídia

Podcast Caso das 10 Mil – Folha de São Paulo

Recursos e publicações

AzMina lança site que reúne todas as informações sobre aborto no Brasil – AzMina

Monitor de Feminicídios no Brasil: boletim novembro 2023 – LESFEM (Laboratório de Estudos de Feminicídios)


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